Sempre tentei me manter longe de frases prontas como “A Globo manipula” ou “Abaixo a mídia hegemônica”. Esse tipo de afirmação só caracteriza uma falta de conhecimento do real andamento dos meios de comunicação e um desvio de foco na forma de protestar. Claro que existem manipulações, mas o importante é saber como ela acontece. Manipulações, ou trocas de focos na mídia se dão, geralmente, mais por interesses econômicos da empresa em questão, do que por ideologia.
É o caso do da novela ‘A Favorita’. Estranho uma novela detalhar tanto o ramo de atuação dos seus personagens. A trama toda ocorre em volta de uma família dona de uma grande empresa de celulose. Opa! Empresas de fabricação de celulose... Isso não me cheira bem.
Certo dia, em uma viagem a casa dos meus pais, vou assistir com minha mãe a um capitulo da novela, mais pensando na vida do que assistindo, quando sou interpelado pelo seguinte diálogo: (Assista a cena clicando aqui, ou no player logo abaixo)
Vó: É... fama não enche barriga... Só se ele estivesse maluco de deixar uma fábrica séria, respeitável, grande, assim como a Fontini...
Tia: Respeitável, mas causa muito desmatamento...
Neto: Não é assim tia... A floresta de eucalipto cresce sem encostar na mata nativa, e ao contrário de que muita gente pensa, a Fontini recupera essas áreas degradadas da Mata Atlântida. Vovó sabe disso!
Vó: Até o Copola (inimigo do dono da fábrica) reconhece que o Dr. Gonzalo (dono da fábrica) fez um trabalho muito bom, excepcional! Ah, todo mundo sabe... ele fez a Fontine crescer graças a plantação dessa floresta exclusivamente para a fabricação da celulose e do papel.
Neto: é isso mesmo... o próprio Vô Copola sempre diz que o Brasil é referência mundial na industria de celulose.
O personagem diz isso e sem explicação troca de assunto... Se achava estranho antes, agora tive certeza... Se a industria da celulose não conseguiu ter uma boa imagem por bem, agora seria por mal. Decidi ficar olhando o capítulo até o fim para saber de quem era o merchandising, que aparece junto com os créditos da novela. Na mosca... Merchandising pago pela Bracelpa: Associação Brasileira de Celulose e Papel. Só a união das maiores empresas brasileiras do ramo da celulose papel. Logo, muita grana envolvida.
O problema não está em patrocinar uma novela, e sim em usar técnicas de desinformação para melhorar sua imagem. Se fosse um personagem que comprasse papel e falasse: ‘que papel legal!’ ou ‘que celulose interessante!’, assim como são as propagandas de celulares e produtos cosméticos, não teria problema. Mas não, a propaganda diz: ‘Plantar celulose é legal e não faz mal a natureza’. Para mim, com o mínimo de conhecimento que tenho sobre o assunto, esta propaganda se equivaleria a uma de cigarros dizendo: ‘Fume, faz bem para saúde e ainda ajuda os agricultores’.
São muitos os estudos que apontam os malefícios das monoculturas de eucalipto. Desde a desertificação do solo até o aumento do êxodo rural. Em contra partida, ainda não ouvi, nem li, algo que rebatesse essas acusações. Inclusive, a UFSM tem muitas pesquisas financiadas por empresas desse ramo. Mas se você quiser saber quem realmente é financiado, acesse o site Às Claras, que mostra todos os doadores de campanhas políticas passadas.
Faça o seguinte, vá até o site e selecione as prestações de conta da eleição de 2006. No campo para pesquisa, digite a palavra ‘celulose’ e clique em pesquisar. Você vai encontrar mais de 10 empresas que financiaram campanhas de políticos. Só a Aracruz, gigante do ramo, doou milhões. Inclusive, o prefeito eleito de Santa Maria, Cezar Schirmer, é um dos beneficiários da empresa.
Quando fiquei sabendo desse valor que está sendo investido nos deputados e senadores, ficou claro para quê está servindo esta publicidade na novela das 8. O mais interessante, é que todos os sites que chamam a mídia de manipuladora fizeram vagas referência sobre esse caso, não citando nenhum fato pontual como estou fazendo.
Fontes:
Bracelpa
Às Claras
Rede Globo
Imagem:
Weno
Assista ao video! (O diálogo citado acima está em 3 min e 30 seg)
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Quando, ainda na década de 1970, *Willie Nelson* começou a se referir à sua
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Há 2 semanas
9 comentários:
Nossos senhores são muito mais inteligentes do que podemos ver. Por isso nos dão a incrível sensação de... liberdade.
Com certeza por trás tem sempre um cabeça pensando a forma que irá manipular e as vezes somos e nem percebemos pois é feito de forma sutil...
Excelente texto - parabéns pelo blog!
bjus!
Lindinha
http://reporumtriz.blogspot.com/
Poxa se vc pensou em tudo isso, assistindo somente a um episódio de novela, eu imagino só o que você não produz assistindo a um documentário. rsrs. muito bom o blog.
Brilhante, William.
Analisar baseado em fatos concretos deveria preceder chavões do tipo "mídia manipuladora" ou "Rede Globo é o quarto poder". É justamente essa sensibilidade que é o oxigênio do jornalista. Não é fácil analisar uma novela do modo que você fez.
Existem boicotes na academia paras pesquisadores que provam não ser de origem humana o aquecimento global, e porquê? Por que a questão do "marketing para a sustentabilidade" vem ganhando proporções assustadoras. A novela é apenas um dos exemplos dessa relação perversa entre esse ambientalismo de meia tijela e capitalismo.
é muito mais fácil pra maioria simplesmente dizer que o Jornal Nacional manipula do que enxergar essas sutilezas em programas "inofensíveis" como a novela das 8.
visita http://ganguedohipertexto.blogspot.com/ e deixa a tua opinião sobre o Top Five dos 5 álbuns para iniciantes do rock.
beijos do ornie ^^
Abordagem excelente. Eu diria uma abordagem desmascaradora (se é que existe esse adjetivo).
As grandes empresas de comunicação não estão à parte do modo de produção. São parte dele e nele exercem sua função, assim como qualquer outro segmento do complexo produtivo. E sua função é buscar a legitimação das relações de produção decorrentes desse complexo e que o sustentam.
Para cumprir sua função, tais empresas lançam mão de todos os níveis de discurso, os quais, aparentemente, não se relacionam. Porém, da cobertura jornalística dos movimentos sociais contra as papeleiras à cena de novela que defende as multinacionais de celulose há uma continuidade.
O exemplo que deste é extremo, mas o mesmo ocorre de maneira bem mais sutil diariamente, quando um determinado padrão de vida (de comportamento, de consumo, de beleza) é vendido nos noticiários, nos programas humorísticos, nas novelas, nos filmes, etc.
Não se trata apenas de um interesse econômico imediato da empresa isolada, mas o interesse de toda a classe, todo o sistema do qual a empresa é parte. Legitimando o todo, a Globo legitima o sistema que a coloca como uma das maiores redes de comunicação do mundo.
Ola parabens pela ótima postagem aceitas parceria de link.
http://joamot30.blogspot.com/
excelente willian...
olhar bem crítico e aprofundado. também detesto afirmações "abaixo a globo" pq parecem o velho discurso pronto dos pseudo-revolucionários q demonstram uma preguiça de pensar, e apenas repetem o que está sendo dito.
matérias como essa mostram que ainda existe gente pensante.
parabéns!
pelo pouco que sei e lembro pela lei merchandising em novela tem uma série de condições. uma delas é que precisa ser claro, com referência direta ao anunciante, o que significa que a marca ou produto tem que aparecer ou ser mencionado em alto e bom som. mas no brasil ninguém respeita a lei mesmo...
ps: esse personagem cassiano é o personagem mais panaca já criado para uma novela.
Muito boa tua análise, William. É claro que as empresas de comunicação têm interesses econômicos, mas elas têm, também, muitos interesses políticos que estão por trás das linhas editoriais dos telejornais. Várias blogs que acessei já ousam dizer que a Rede Globo de Televisão e o setor de jornalismo, capiteneado pelo Ali Kamel tem José Serra como seu candidato. Esta preferência é exposta nos telejornais através do ocultamento de informações que possam denegrir a imagem do governador paulista. Isto é nítido.
Parabéns pela tua análise da novela.
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